sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O teu sangue

Estava eu a conduzir, no vazio da auto-estrada ao som dos maravilhosos Coldplay (que me ensinaram a passar de gostar para amar) e a minha memoria disparou e falsa fé: lembrei-me de ti e dele!


As imagens do sangue a escorrer, do branco dos teus olhos a sobresairem do sangue em que a tua cara estava lavada, a roupa que agora mudava de cor... Ninguém sabe, ninguem imagina, nem quem lá estava porque tanto se passava ao mesmo tempo que ninguem se concentrou numa só coisa.


Percebi hoje que cada lágrima que derramei não era só por ti, não era só por ele, era por mim tambem, por ver a pessoa que tanto estimava tornar-se em algo que me horrorizava e repugnava. Não podia permitir, não podia aceitar! E não podia doer mais!


A enfermeira pediu-me para te limpar 'Para ele nao ficar assim com tanto sangue, vocês vão ver que depois de limpo tudo parecerá melhor!'. Assim o fiz, molhei as compressas e limpei cada canto. Lembro-me de te limpar a cara, lembro-me das compressas passarem logo de branco imaculado para aquele vermelho-acastanhado caracteristico da mistura de sangue seco com sangue freco. Lembro-me de te limpar as rugas do pescoço onde o sangue se acumulou e ali secou criando uma especie de linhas horizontais.


Tu olhavas-me com um olhar estranho. Um olhar de quem queria dizer algo mas nao dizia. Seguias os movimentos da minha cara com os teus olhos, nao desviaste o olhar uma unica vez. Isso incomodava-me de certa forma, mas isso fazia com que eu compreendesse tão bem o que pensavas e, realmente, não era altura para palavras!

O choro começou a querer romper. Não podia e nao queria chorar! Queria muito, mas não ali, não ainda, não contigo!


Para que nao te apercebesses (como é obvio que nao dava para disfarçar) comecei a limpar-te as mãos, todas elas ensanguentadas, com as unhas cravadas de sangue... Por golpe do destino as compressas terminaram! Momento perfeito para, sempre sem te olhar nos olhos, dizer 'Tenho de ir pedir mais compressas. Estas já acabaram.'

Recordo-me de, a certa altura, um telemovel tocar. O meu coração dispara sobre o já acelerado que estava (incrivel como um coração aguenta tanta batida e tanta pressao): o telemovel que tocava era o teu, mas o número era da minha A.

'Salavção! É a minha A. Quero-a'


Disseste-me que nao conhecias o número e não ias atender. Eu apressei-me a puxa-lo da tua mão e a dizer que era a A. e eu falaria com ela.


Corri para fora da sala de cirurgia e só de ouvir a sua voz chorei. Chorei compulsivamente, que nem uma criança. Solucei, chorei como se aquele fosse o último dia da minha vida! Eu sabia que a partir dali muita coisa iria mudar. Eu sabia que aquilo era algo que grande impacto para o resto dos meus dias. Eu sabia que aquilo implicaria muitas mais decisões dificeis. Decisões certas mas que me iram custar o coração, como a que já tinha tomado qo decidir ficar contigo!

Percebi hoje que cada gota de sangue que te limpei não era realmente o sangue que limpava. Era o peso da minha alma, era a névoa que cobria a minha esperança de tudo ficar bem. Não era só a ti que eu limpava, nao era o teu sangue que eu fazia desaparecer, era o enaltecer da minha vontade de dimunuir a situaçao de de me mostrar que o que ele te tinha feito nao era assim tao grave! E afinal (não) foi !


Tudo decorreu assim até eu perceber que tinha as mãos, as calças, a mala, a blusa e o casaco com sangue! Sim, estava coberta de sangue que não era meu! sim, também eu tinha de limpar o sangue em mim, mas sangue que alguem lá colocara...sem que eu pedisse, sem que eu desse razoes para isso ! E, apesar de perdoar tudo, disto nao me esqueço!




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