sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Catatónico

 Já não era a primeira vez que sentia aquela sensação mas a primeira vez que aquela se reviu em palavras estava eu sentada num restaurante tendencialmente gourmet, numas férias dedicadas ao Amor e à abnegação, recheadas de riso, carinho e Sol. E ali estava eu repentinamente sozinha! Não sozinha só por estar desacompanhada, mas sozinha por ausência de complacência, companhia e enquadramento. 
 
Só quem investe numa relação com que já passou por um casamento falhado, já tem um filho, já tem ex-família alargada e já teve uma relação-suporte duradoura (nomeação que atribuo às relações que se seguem imediatamente após uma dolorosa separação e que vêm validar o ego do sofredor, aliviar a solidão e tentar estabilizar a nova rotina pós-separação, sem qualquer intenção de desmérito pelas mesmas, antes pelo contrário, pressupõem uma ligação emocional forte muito ligada à ideia de conforto e suporte imprescindível; marcas deixadas sempre por quem nos resgata de situações de sofrimento). 

 Abandonada naquela mesa estava eu e ainda há minutos atrás éramos três felizes crianças em que só uma tinha idade adequada para o ser. Não sei se para me preservar à sensação de inadequação ou por simples cortesia, pai e filho acharam melhor afastar-se para falarem com a "ex-família alargada" do meu companheiro; consequente família próxima e amada do seu filho. Até aqui a história parece perfeita: todos nós temos passado, os factos são o que são! E a delicadeza deles parece embeber a situação. Mas controlamos as sensações? Ou seja, podemos controlar como agimos perante elas, mas a questão é: conseguimos nós controlar o seu surgimento? Respondo, NÃO! 

 E assim, ali estava eu não sozinha mas sim abandonada! E assim fiquei por muito tempo. Acreditem, muito tempo. Tempo demais. Tempo para ser invadida pelo sentimento de que nunca me iria adequar àquela família porque não é a minha e em nada lhe pertenço.  No entanto era eu que estava ali a cuidar do filho do meu companheiro (e do próprio em igual medida), a ajuda-lo, a acarinha-lo, a dar de mim. 

 No entanto sou eu que oiço o meu Amor a falar das amarguras de se viver longe de um filho que se tem de partilhar em tempo estipulado. No entanto sou eu que o tento acalmar e lhe dou todo o meu apoio para que continue a ser o pai fantástico que é. No entanto sou eu que atento às suas desavenças com a "ex-família alargada", tentando nunca agravar a situação, querendo sempre enviar-lhe paz e tranquilidade enquanto  afago o seu cabelo durante tais confissões, mesmo quando me apetece gritar-lhe o quão injustos e egoístas estão a ser. No entanto sou eu que aguento e lido com o mau-humor diário que vai surgindo, típico de quem vive duas vidas em união enquanto os outros merecem a sua calma e racionalidade para que não haja agravamento de conflitos: no entanto eu tenho de lidar com os nossos (inerentes à relação) acrescidos dos restantes que estes elementos provocam. No entanto sou eu quem nem sequer se permite ter as mais normais fantasias de paixão, a imaginar que um dia ele poderá dizer-me o quão está apaixonado por mim e que pretende tentar uma vida em conjunto com projectos sólidos de futuro, desejando um dia levar-me ao altar, porque alguém já destruiu esse campo na vida do meu companheiro tornando quase impossivel que ele queira lá voltar. No entanto, sou eu quem nem sequer se permite sonhar em construirmos uma família por que ele já tem uma boca para alimentar e uma vida para sustentar: como seria com duas? Já tem um anjinho que em muito necessita da sua atenção e dedicação que jamais foi dividida: o nosso anjinho teria sempre de ver o pai dividido entre duas famílias correndo o risco de se sentir igualmente inadaptável e desenquadrado como a sua mãe, eu! 

 E afinal quem sou eu neste campo de giras-sois em que, tal como estes, também eu tenho de andar constantemente a tentar virar-me para o Sol para que tudo fique bem e para que a sua luz permita iluminação constante nesta história? Que lugar é o meu? Lugar anexo? E é esse o meu lugar merecido? 
 
 "É difícil viver com alguém que já tem uma vida": foi assim que em bruto o sentimento se revelou em palavras quando, o sentimento se tornou demasiado acesso e os meus pés até ponderaram fugir, para me levarem dali para fora. O sentimento estava subsumido a palavras, mas em nada a situação estava resolvida.  

1 comentário:

  1. MERECES O TEU LUGAR DE DESTAQUE.


    Eu ando sem palavras e não encontro as certas para te dar...

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Simplicidades